Poeira
Sempre achei muito bonita a poeira nos filmes do John Ford, ou melhor, as nuvens de poeira escavadas pelos cavalos em correria. No western, este género do plano geral, parece tudo geológico, sedimentar. As personagens andam, vivem e sofrem as suas paixões quase sempre em cima duma grande paisagem deserta que parece resultado de estratos geológicos uns em cima dos outros, acumulados e sedimentados ao longo dos séculos. Camadas e camadas de história*, com uma potência imanente que pode ser revelada às vezes de forma tão simples como mostrá-la por mediante de uma panorâmica comedida (não admira os Straub-Huillet gostarem tanto do Ford). Estas nuvens erguidas pelas ferraduras parecem agrupamentos das partículas da camada mais à superfície, mais recente da História, exalações físicas despertadas pelo movimento.
Se calhar por isso é que gosto e penso tanto naqueles planos contra-picados dos filmes do Ford em que os cavelos nos atropelam e olhamos para o céu através destas nuvens**. Nos segundos ou frações de segundo em que os cavalos não ocupam o ecrã inteiro, sentimos que numa posição deitada e recumbente, vemos todo o infinito aberto em cima de nós através das poeiras da História.
*há imagem mais sedimentar e estratiforme que a Monument Valley?
**especialmente quando são construídos em volta de pequenas panorâmicas verticais, que em si contêm o gesto onde o céu nos é dado a ver.
-Vasco
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