Negação sentimental

Na representação de um amor hesitante, é frequente enfatizar a aparente desconexão que se verifica entre o corpo e o sentimento, que tão amiúde caracteriza estes estados de espírito. Digo estado de espírito, porque nestas situações, o sentimento tem tanto de diáfano como um qualquer espectro. Vive-se na negação, e, frequentemente, anda-se na direção oposta da vontade, como se o caminho para o inevitável fado que nos confrontará passasse obrigatoriamente pelas ruas estreitas da repressão e frustração.


Os recursos utilizados para a expressão desta diabólica trama são múltiplos, mas em Goodbye Again (1961) de Anatole Litvak, assumem novas e amplas dimensões.

Na magnífica sequência em que Ingrid Bergman chora ao conduzir para longe do homem que ama, o alheamento do sentimento que sabe que sente é tal, que se torna confuso de onde vem aquele choro: Será que até o céu tem pena de si?

E com este recurso que tem tanto de kitsch como de eficiente/tocante, marca-se o caminho tão frequentemente caminhado, e perpetua-se a ideia de que não há tristeza como a nossa, não há choro como o nosso. Não há fado como o nosso. Mesmo que dele queiramos tanto escapar.



Aparição 

Um dia, meu amor, (e talvez cedo,
Que sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina no trêmulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

— “Ouve! espera!” — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!

-Antero de Quental


- João

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