Algumas razões por eu pensar tanto no Duel in the Sun

Porque o Vidor entendeu que às vezes o amor não é só fou, pode também ser completamente doente – e que isto é amor a sério, tanto como qualquer outro mais sereno.


Porque o filme inteiro se prostra sob o signo do sol. Aquele sol completamente atordoador que te faz sentir como se tivesses sopa quente dentro da cabeça, que te faz ver tudo através duma cortina transparente que distorce a paisagem às ondinhas. Este fenómeno aqui visto em FLASHES de luz e calor, assemelhando-se àquelas técnicas de tortura ou de programação mental em que te põem em frente da cara uma lanterna branca a piscar intermitente e incessantemente.


Porque o Vidor sabe que o sangue pode ser, e muitas vezes é, como a geleia: vermelho, grosso, peganhento, doce e cheio de grumos. Mas quente, a correr-te pelas veias e a dar-te a vida e a fazer-te mexer.


Porque percebe a teia em filigrana do amor, onde existe quem amamos, quem nos ama, quem achamos que nos ama, quem achamos que devemos amar, quem nos forçamos a amar, quem nos forçamos a não amar, a confusão de amor por ódio e de gratidão por amor, e a noção absoluta de que qualquer pessoa que faz parte desta teia nunca terá consciência ou a entenderá nem pela décima parte.


Porque por muito que o mais discutido seja a relação da Pearl e do Lewt, o Vidor mesmo assim entende que há muitos tipos de amor, e que é tão mítico aquele que tem o seu liebestod no quarto, como aquele que se mata aos disparos nas montanhas.


Porque o Godard, ao “refilmar” o filme na montagem, e ao rescrever a nossa memória do mesmo (algo que as histoire(s) fazem constantemente, impossível ver ou lembrar os filmes originais a posteriori sem os ver em parte pela perspetiva que ele te deu), entendeu que este filme em grande parte é um grande e violento clarão de tons de vermelho das origens mais variadas. A memória que fica do tiroteio final nem é o arrastamento do movimento que o Godard faz, mas sim um grande choque de vermelho onde membros e apêndices corporais amorfamente se esticam, esmurram e abraçam num movimento do mais sublime amor-ódio, sublinhados por uma banda sonora tocada com pistolas como instrumento. Por muito que isto seja violento, continua a ser extremamente controlado: o final é tudo menos trigger happy – cada bala com o seu peso.


Porque uma das grandes imagens simbólicas do amor no cinema do Vidor é a de duas cabeças num beijo apertado que dura séculos, e que sem nunca separar os lábios, conseguem mesmo assim brutamente cuspir sangue na cara uma da outra.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Efemeridade do documentário

Alma Minha

Passeio com Johnny Guitar