Machorka-Muff
"Machorka-Muff, é a história de uma violação, da violação de
um país, onde um exército foi imposto, um país que estaria mais feliz sem ele.
O que significa fazer filmes na Alemanha, aliás, fazer filmes contra a
estupidez, depravidade e preguiça mental que, como Brecht afirmou, são tão
características deste país? O Hyperion responderia que significa que se está
disposto a sangrarmo-nos até pálidos estarmos. E a isto, gostaria de
acrescentar: Significa que eu serei incapaz de alcançar o grande público que
desejo que o meu trabalho tenha. Mas, enquanto francês, o que me atraiu foi a
possibilidade de fazer na Alemanha um filme que nenhum alemão poderia ter feito
- tal como nenhum alemão poderia ter
feito o Alemanha, ano zero, ou nenhum americano o Semente do Ódio, ou nenhum
italiano poderia ter escrito a Cartuxa de Parma."
"Deve saber que não escolheu um caminho fácil. E é por isso que escrevo, para dizer que fez um bom trabalho. O tema é emprestado dos nossos tempos. É verdadeiro, preciso e universalmente válido. Aqueles que censuram o filme por ser excessivamente agudo não sabem nada da necessidade artística de aprimorar as ideias até o ponto em que elas realmente toquem fundo.
O que me interessou acima de tudo no filme foi a composição do tempo
cinematográfico: está intimamente relacionada com a música. É ainda mais
impressionante que um filme relativamente tenso e breve tenha a coragem de
adotar tempos lentos, pausas, descansos. E que impressionante ter escolhido
para as cenas extremamente rápidas aqueles recortes de jornal exibidos em
ângulos estranhos na tela. Além disso, a densidade relativa das mudanças de
tempo está bem feita. Deixou-se que cada elemento chegasse ao seu momento insubstituível.
Nada no filme poderia ser alterado ou substituído; e não há ornamentação. 'Tudo
é essencial', como disse Webern.
Também gosto da franqueza do filme, do seu rejeitar de qualquer preâmbulo ou
resumo. O espectador é deixado a refletir por si próprio sobre o filme. Poderia
continuar: o filme não é ‘educativo’ nem meliorista; não é simbólico nem
ilusionista, nem sequer falsamente analógico. Em vez dessas soluções
desnecessárias, escolheu os factos. Não aqueles de uma reportagem plana, claro:
gosto da acuidade do filme, do movimento estranhamente fulgurante da câmara nas
cenas de rua, e das paredes vazias do quarto de hotel nas quais a câmara
repousa por longos períodos, essa nudez da qual não consegue desvincular-se.
Também gosto da ‘condensação’ irreal do tempo e, ainda assim, nunca se sente
pressa. O progresso só é possível naquela linha estreita entre a verdade, a
concentração e esse aprimorar que penetra, queimando, na nossa percepção da
realidade. Só nessa vanguarda, e em mais nenhum outro lugar. Mesmo a ilusão
fragmentada, que agora vemos, continua a ser ilusão.
Não quer ‘mudar’ o mundo, mas sim gravar nele os vestígios da sua presença: Viu,
abriu-nos uma parte desse mundo tal como ele se lhe revelou. Gosto disso.
Aguardo com impaciência o trabalho futuro."
Karl-Heinz Stockhausen
Colónia, 5 de maio de 1963
Excertos extraídos e traduzidos do livro Straub (1971) de Richard Roud
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