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A mostrar mensagens de maio, 2025

Cinema plastificado

No final do século passado, e início deste, experienciou-se a hegemonia do plástico, praticada com entusiasmo por todos os seus contemporâneos. Incluiu-se plástico na roupa, sendo que se plastificavam manuais escolares, bilhetes de identidade, boletins de vacinas, cadernetas de cromos e peças de mobiliário com uma vontade inigualável. Por absurdo, creio até que se fosse a população convocada a votar por referendo a plastificação do padrão dos descobrimentos, com o intuito de proteger aquele mural enfadonho das intempéries, que a iniciativa seria aprovada, sendo o ato replicado no património que se julga digno de preservação, desde o arco da Rua Augusta, à pantufa da Serra da Estrela. Plastificar é cuidar. É por intermédio da criação de uma carapaça de petróleo, prolongar a vida daquilo que se estima, ampliando a sua resistência à ação dos fenómenos naturais em mais de 500 anos. Nos dias que correm, o paradigma é diverso, tendo a redução carbónica contribuído para o cavalgar da aniq...

As mãos e o Godard

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A propósito dos últimos filmes do Godard: Não são bem guiões ou « scénarios », nem storyboards, nem estudos preparatórios, mas uma fusão de tudo isso — um caderno-canivete —, a abstracção da própria ferramenta.  São imagens fixas que apontam para o movimento futuro, uma montagem que se desdobra folha a folha. Neste hábito artesanal, o maître-artisan  tacteava filmes, estudava continuamente uma forma de arte, esboçando exercícios circunstanciais sobre fragmentos da história; a sua e a dos outros. Vemos uma espécie de workshop : filma-se o personagem  principal, o mestre Jean-Luc, à mesa do seu estúdio, com um scrapbook repleto de  imagens e palavras, dirigindo um novo projecto, explicando, página a página, aos  habituais colaboradores, Jean-Paul Battagia e Fabrice Aragno, como deveriam finalizar  um filme que, supostamente, seria Scénarios .  O tom descomprometido, a forma como  afirma repetidamente que não sabe o significado de certos planos ou q...

Peter Ibbetson

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Provas de vida, constantemente separadas pela verticalidade de um qualquer gradeamento, onde a frieza do ferro protagoniza o espaço que o tempo decidiu impor entre estes dois seres. Resta viver subjugado à nostalgia, inútil sentimento, que num atraso constante enche a eternidade de uma tão densa e palpável poeira. Peter Ibbetson, re-batizado no rescaldo de um desgosto, encarnou um coma telepático, escolhendo a sincronia de uma vida de olhos fechados, à nulidade das regras de quem julga tê-los abertos.